Páginas

domingo, 2 de janeiro de 2011

Meu colunista favorito na Revista Crescer

Uma lista para todo pai

Fabrício Carpinejar

Era um momento infernal: entregar textos para jornal, corrigir provas da universidade, planejar palestras, organizar uma antologia. Os prazos expirando. Sabe quando não há fresta para consultar o relógio? Baixa-se a cabeça no livro e no computador, parando só para levantar a xícara de café. Notei que meu filho desenhava de pé. Quando ele desenha de pé, tem a fé de que vou convidá-lo para alguma brincadeira.

– Muito trabalho, pai?

– Sim, hoje não poderei brincar...

– Não pedi nada. Pode trabalhar, ficarei aqui torcendo...

– Torcendo para quê?

– Para que seu trabalho termine logo.

Como se concentrar com o filhote pertinho, cheiroso, com seu rosto de maçã mordida? Vou apressar e finalizar o quanto antes para cuidá-lo.

Quinze minutos e ele se aproxima, tímido, cuidando para não me ferir com palavras, e me mostra seu desenho. Finjo que leio, digo “bonito” pensando em outra coisa. Mas, sem querer, leio mesmo: 1) Minha torcida, 2) Ler livros, 3) Escrever textos, 4) Falar ao telefone, 5) Brincar com Vicente, 6) Ser feliz.

Danado, ele preparou o roteiro das minhas atividades e me entregou, a exemplo da lista que recebemos da sua mãe para fazer supermercado.

– Para não esquecer nada, pai...

Observei a pilha de papéis e cresceu uma compaixão de mim. Fechei o expediente com um desaforo gostoso. Larguei as falsas urgências pela urgência maior: ser pai.

– Vicente, lembra da caixa de violão que iríamos transformar num boneco?

– Sim. A vó queria jogar fora e não aceitei.

– Seis meses que eu prometo e o boneco nascerá agora.

Ele pulou em mim, mas antes riscou os quatro itens da lista. Tomamos várias revistas, escolhemos gravuras para colar no papelão e encher o corpo da caixa com figuras. O telefone tocava e não atenderia. Estava em reunião... com meu filho. Dois dias de absoluta entrega. Saímos para comprar material de costura. O fundo do rosto do boneco foi composto de pétalas brancas de rosas, buquê fresco da floreira da esquina. Formamos os olhos com dois botões, a boca é um zíper, o nariz veio de um prendedor de roupa. Após a camada de recortes, pintamos o dorso com tinta branca, criamos dois braços de isopor, aplicamos uma mão de goma e, em seguida, de verniz. Pronto! Deixamos secar. Como é inverno no sul, emprestei meu blusão colorido. Faltava um nome, veio sem cerimônia: Viola, já que surgiu da caixa do instrumento.

– Viola tem alma? – ele questionou.

– Tem, é a música. Por dentro, ele continua pensando que está carregando o violão.

Levamos Viola para almoçar com a família. As pessoas paravam para perguntar se era um exercício da escola.

– Que nada – replicava Vicente –, é trabalho de amor em nossa casa.


Fabrício Carpinejar é poeta, autor de Meu Filho, Minha Filha (Ed. Bertrand Brasil, 2007), entre outros livros
E-mail: fcarpinejar.colunista@edglobo.com.br

carpinejar.blogspot.com